domingo, agosto 30, 2009

Pior entrevista com o melhor articulista

Como prometido, publico aqui a entrevista que fiz com Rogério de Campos, vencedor do troféu HQ Mix deste ano na categoria Melhor Articulista.

Infelizmente, a entrevista foi feita por email. E isto não é um mea-culpa. O blog não dá dinheiro e eu não teria como pagar uma passagem aérea. Sou movido pela boa intenção, mas a boa intenção não me leva de graça aonde eu quiser.

De qualquer forma, as respostas foram bem interessantes!

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Qual tua formação? Em que lugares já trabalhou? Onde está trabalhando agora?

Antes de ser editor e jornalista, fui uma pessoa útil à sociedade. Trabalhei, por exemplo, colhendo amendoim. Na época, cada um carregava um balaio, retirava o pé de amendoim da terra, dava uma chacoalhada para tirar o excesso de terra e depois batia a raiz dentro do balaio para deixar os amendoins. O sol era desgraçado. Também trabalhei preparando mudas de café. Trabalhei como assistente de pedreiro, carregando carrinhos de terra, tijolos e coisa e tal. E fui um ótimo cortador de frios em supermercado. Então fiz desenho de arquitetura no Senai. Trabalhei um tempo com isso, depois desenhista gráfico e aí minha vida degringolou: virei jornalista, trabalhei em vários jornais e revistas, entre elas a Folha de São Paulo, a Bizz e Set. Criei e editei várias revistas, como a Animal, a Ding Ling, a General. Ganhei alguns prêmios, como editor e como jornalista. E tive uma banda de rock, que teve um disco lançado pela Warner em meados dos anos 80.

Como você foi parar nos quadrinhos? Foi uma decisão ou caiu de pára-quedas? (Tu é quadrinista também?)

Eu queria ser quadrinista, mas depois que virei editor de quadrinhos meu sonho se acabou de vergonha na cara. Sou resultado daquele espírito 68/77: rock, esquerdismo e quadrinhos.

Você acha que o jornalismo de quadrinhos ocupa a devida importância dentro do jornalismo cultural? Você vê falta de informação ou banalização do tema quadrinhos quando surge uma pauta dessas na mídia não-especializada?

Acho que isso foi uma questão. Hoje, com a Internet, tal coisa é uma reclamação velha. Mas os quadrinhos talvez sejam a linguagem artística que mais usufruiu da rede de comunicação digital. Os artistas puderam expor seu trabalho alí, os fãs montaram seus blogs, os fãs mais profissionais montaram seus sites. E isso é uma prova de que havia uma demanda reprimida, não atendida pela grande imprensa cultural.

Há tanto tempo trabalhando com quadrinhos, você vê problemas decorrentes da profissão? Digo, por exemplo, a questão da imagem do profissional de quadrinhos. Para muitas pessoas, esse nem é considerado um trabalho sério, já que quadrinhos está popularmente ligado a entretenimento. O jornalista de quadrinhos, como fica no meio disso? É possível ter seu trabalho (que é sério, ligado a pesquisa, apuração, investigação) valorizado num meio comumente ligado ao entretimento?

Um dos problemas dos quadrinhos é que sendo tão desvalorizados como são, afastam um monte de gente talentosa e sabida, e atraem um monte de sujeitos que não têm nada a dizer, porque estes sabem que ali não serão cobrados como em mundos mais competitivos.

E o lado bom de trabalhar com quadrinhos?

Até agora era de saber que bastava um olho para ser rei.

Uma pergunta que me interessa especialmente: sendo jornalista e trabalhando com quadrinhos, tu já pensou em fazer Jornalismo EM Quadrinhos? Já teve ou pretende ter experiências do tipo?

Sim, de vez em quando penso em fazer um voto de silêncio que só seria rompido na medida em que eu conseguisse me expressar com desenhos. Mas a falastronice sempre me vence.

Pato (?) Donald


Novamente, foi o amigo Beto Frizero quem me avisou sobre este post falando de uma versão das personagens Disney desenhadas com forma humana. Vale a pena cutucar no link!

sexta-feira, agosto 28, 2009

Katrina

A revista Newsweek divulgou uma história em quadrinho sobre o furacão Katrina. Eis o link (em inglês).

Quem me avisou foi o amigo Beto Frizero.

terça-feira, agosto 25, 2009

Melhor artigo do melhor articulista

A premiação da edição mais recente do Troféu HQ Mix aconteceu semana passada, em São Paulo. Um dos laureados foi o jornalista Rogério de Campos, na categoria Melhor Articulista. Ele se saiu vencedor com a nota que escreveu para a edição brasileira do livro "Che".

Campos e a editora Conrad gentilmente cederam o texto para publicação aqui no cabruuum. Ele segue abaixo, em versão integral. Nos próximos dias, publico a entrevista que fiz com o autor.

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Nota da Edição Brasileira

Rogério de Campos

Demos um sumiço nele, por ter feito a mais bela história do Che que já foi escrita”, confessa o militar argentino para o jornalista e escritor italiano Alberto Ongaro, que tenta saber o que aconteceu com Héctor Germán Oesterheld. A frase parece um pouco irreal, mas temos que compreender que foi dita no ano de 1979. E a Argentina daquele momento parece irreal, como um pesadelo.

O período é cheio de outras frases tão sinistras que parecem igualmente irreais. Como esta, famosa, do general Ibérico Saint Jean: “Primeiro mata-remos os subversivos, depois seus colaboradores e então os que continuam indiferentes, até, finalmente, matarmos os tímidos”. O general disse isso em 1977, quando era governador de Buenos Aires, nomeado pela junta militar que governava o país. Foi durante a gestão de Ibérico Saint Jean que aconteceu o episódio que ficou conhecido como Noche de los Lápices: o seqüestro, pela polícia da capital, de dez adolescentes – quatro meninas e seis meninos. Só quatro deles sobreviveram às brutais sessões de tortura. Que alguns jovens tenham decidido também “pegar em armas” contra essa situação é algo lamentável e que demonstra falta de sabedoria, mas é assim uma decisão tão inexplicável?

Foi também em 1977 que Oesterheld tornou-se um “desaparecido”. Ele e suas quatro filhas – Marina (18 anos), Beatriz (19), Diana (23) e Estela (24) – estão entre os 30 mil argentinos que, segundo o cínico general ditador Jorge Videla, “não estão vivos nem mortos; estão desaparecidos”.

Videla e seus pares ditadores latino-americanos inspiraram-se nas aulas da famosa Escola das Américas a respeito da eficiência do Nacht und Nebel Erlass (Decreto da Noite e Névoa), de Hitler, que estipulava detenções secretas de acusados de fazer parte da resistência antinazista. Essa prática permite o “desaparecimento dos suspeitos sem deixar rastro, e sem que circule qualquer informação a respeito de seu paradeiro ou destino”. As pessoas desaparecem na névoa e na noite. O Estado prende, mas não assume que prendeu, assim as famílias não têm como entrar com ações legais de defesa. Mesmo “a entrega do corpo para seu enterro no lugar de origem não é aconselhável”, recomendam os mestres nazistas, “porque o momento do enterro poderá ser usado para manifestações”. O objetivo era fazer com que “toda resistência seja castigada, não dentro de um processo legal, mas através da disseminação de tal terror […] até que toda a disposição de resistência entre o povo seja eliminada”.

Os generais falam muito de defesa da pátria, mas da pátria mesmo pa-recem gostar apenas das bandeiras, dos hinos, dos uniformes e das linhas das fronteiras. O povo, em especial os jovens, artistas, escritores, pensadores, professores e estudantes, é tratado como um mal necessário, às vezes desne-cessário. De outro modo, pessoas como Oesterheld e Alberto Breccia seriam desde sempre motivo de grande orgulho pátrio. Afinal, Breccia não é apenas o maior desenhista da história dos quadrinhos latino-americanos: é presença obrigatória em qualquer lista sensata dos principais nomes da história da HQ mundial. “A história dos quadrinhos é dividida em duas épocas: aquela que vem antes de Alberto Breccia e aquela que vem depois de Alberto Breccia”, diz Frank Miller, que tenta até hoje aprender o domínio de branco e preto das páginas do mestre argentino.

Oesterheld também é muito mais que o maior roteirista da história da HQ argentina ou latino-americana. É o primeiro grande roteirista dos qua-drinhos mundiais, o primeiro a perceber as possibilidades dos quadrinhos como uma espécie de nova literatura. Não é à toa que, em 2000, quando o jornal Clarín lançou sua coleção La Biblioteca Argentina, com os grandes clássicos da literatura do país, incluiu El Eternauta (uma HQ escrita por Oesterheld e ilustrada por Francisco Solano López, descendente do caudilho paraguaio), ao lado de Martín Fierro e de livros de Borges, Sábato e Cortázar. E isso não soa como uma intrusão indevida. El Eternauta é uma daquelas obras que formaram a imaginação de várias gerações de argentinos. Borges, aliás, era amigo de Oesterheld, que um dia garantiu: “Ele também gostaria de escrever roteiros de quadrinhos”.

Juntos, Oesterheld e Breccia lideraram um movimento que no fim dos anos 50 transformou a Argentina no mais interessante centro de produção de quadrinhos do Ocidente, cujo impacto ultrapassou as fronteiras do país. Foi depois de um “estágio” de alguns anos trabalhando com Oesterheld na Argentina que Pratt partiu para a Europa e criou a série Corto Maltese, que revolucionou o mundo dos quadrinhos europeus e tornou-se uma das principais referências para o surgimento do quadrinho autoral no Velho Continente. Pratt dizia que Oesterheld foi sua maior influência na técnica narrativa, e que criara o herói Ernie Pike à imagem do roteirista.

Os anos 60 são conhecidos como o momento em que a HQ argentina entra em crise e inicia sua decadência. Mas que bela decadência! É, por exemplo, quando surge a Mafalda, de Quino, e Mort Cinder, outra das criações da dupla Oesterheld e Breccia, listada freqüentemente como a melhor HQ latino-americana de todos os tempos. Por isso, o escritor e roteirista Carlos Trillo descreve essa época como “um luxuoso funeral”.E em janeiro de 1968 surge este La Vida del Che, apenas três meses depois da morte do guerrilheiro. É algo feito no calor do momento. Os desenhos são de Alberto Breccia e seu filho Enrique, que tem apenas 22 anos e faz uma estréia espetacular.

Em entrevista a Jan Baetens, realizada em 1992 em Bruxelas, Alberto afirma: “Che é, sem dúvida nenhuma, o mais bem construído e o mais coletivo dos meus álbuns. Junto com o roteirista Héctor Oesterheld e com meu filho Enrique, que realizava seu primeiro trabalho, queríamos contar a história de uma figura que, pelo menos na época, talvez hoje nem seja mais o caso, era quem melhor representava a América do Sul. Em Che, nos esforçamos para resumir da maneira mais clara possível a vida e o significado de Guevara, a fim de transmiti-los às futuras gerações. Assim que foi lançado, em 1968, o livro fez um enorme sucesso. No dia do lançamento, todos os muros de Buenos Aires estavam cobertos de cartazes”.

Em pouco tempo, o álbum atingiu a marca de dezenas de milhares de exemplares vendidos. Para alguns historiadores, essa HQ teve um papel impor-tantíssimo na consolidação da imagem de Che como um herói na Argentina. O jornal La Nación chegou a publicar um editorial advertindo sobre o perigo que tal obra significava para a paz da nação.

Seu efeito é tão poderoso que os autores recebem um telefonema da embaixada norte-americana: querem encomendar uma HQ do mesmo tipo sobre Kennedy. No way, gringo!

Mas o sucesso da obra foi também a desgraça de Oesterheld. A Argentina já vivia sob uma ditadura militar naquele momento, comandada pelo general Onganía. O editor Jorge Alvarez até tentara convencer seus autores a publicar a obra anonimamente, mas Oesterheld resistiu: “A história de um persona-gem como Che não merece ser feita às escondidas”. E, além do mais, como disfarçar o traço de Breccia? Então começam as perseguições. A editora é invadida, o estoque e os originais são confiscados e destruídos.

Depois de Onganía, entra em cena outro general ditador: Marcelo Levings-ton. E, na seqüência, outro: Alejandro Lanusse. Em 1973, a esperança ressurge no país, com a volta de Perón, depois de quase vinte anos de exílio. Oesterheld, outrora crítico do caudilho, envolve-se mais e mais com a ala de extrema-esquerda do peronismo, junto com as filhas. Mas as esperanças se frustram: Perón se cerca de direitistas e, ao morrer, um ano depois, deixa a presidência nas mãos da viúva, Isabelita Perón, que leva o governo ainda mais para a direita, a ponto de criar a força parapolicial Alianza Anticomunista Argentina, encarregada de seqüestrar, torturar e assassinar líderes da esquerda do país.

A circulação do álbum Che é proibida. As pessoas destroem os exemplares que têm em casa, por medo da repressão. A família Breccia recebe diversas ameaças. Em março de 1976, a situação piora ainda mais: Isabelita cai e é instaurada a nova ditadura militar, decidida a limpar a Argentina de qualquer coisa que tenha alguma ligação com a esquerda. O governo norte-americano, através de seu secretário Henry Kissinger, dá seu apoio e um conselho: “ajam rápido”. O que acontece depois disso é um massacre.

A primeira a “desaparecer” foi Beatriz Marta Oesterheld, em junho de 1976. Diana Irene Oesterheld Araldi desaparece em julho do mesmo ano. Estava grávida de seis meses. Seu marido, Raul Carlos Araldi, também desaparece. Oesterheld é seqüestrado pela repressão em 27 de abril de 1977. Em novembro, Marina Oesterheld também desaparece, ao lado do marido, Oscar Alberto Seindlis. Ela estava grávida de oito meses. Por fim, em dezembro, desaparece Estela Inés Oesterheld, a última filha, junto com seu marido, Raúl Oscar Mortola.Do destino de Oesterheld na prisão restam os flashes de memória de outros prisioneiros. Alguém lembra de seu desespero quando algum sádico faz chegar a ele fotos das quatro filhas, torturadas e mortas.

No dia 14 de dezembro de 1977, avisam a Oesterheld que ele tem uma “visita especial”. Um menino de três anos, seu neto Martín, filho de Estela, que acabara de ser morta. Sabe-se lá por qual louca razão, alguém resolveu reunir neto e avô na prisão. Hoje, Martín lembra-se apenas de ficar horas e horas com o avô, naquele “corredor horrível, com paredes pintadas de azul látex brilhante”. De alguma maneira, Oesterheld conseguiu fazer com que o neto fosse encaminhado para os bisavós maternos.

A outra coisa que dizem é que, mesmo na prisão, Oesterheld continuava a escrever. Histórias que nunca conheceremos. Presume-se que tenha sido assassinado em 1978. Martín e Elsa, viúva de Héctor, ficaram sendo assim os únicos sobreviventes da família. Os filhos de Marina e Diana fazem parte da lista de desaparecidos. Apesar das ligações de Oesterheld e de suas filhas com a esquerda peronista, Elsa acredita que Héctor já estava marcado desde 1968, ano da publicação de La Vida del Che.

A brutalidade inominável com que a família Oesterheld foi quase exter-minada faz algumas pessoas aventarem que haveria na fúria militar um elemento a mais: o anti-semitismo. Não teria, certa vez, aparecido um oficial na casa de Elsa à caça de “Héctor, o judeu”? Hinos nazistas eram ouvidos durante sessões de tortura. E algumas salas de interrogatório tinham o retrato de Hitler na parede. Quem sabe aonde pode chegar a estupidez militarista?

Mas a história de Oesterheld não é, infelizmente, uma exceção no registro de horrores praticados pela ditadura militar argentina. Uma idéia insana de purificação do país moveu os detentores do poder a tal estado de espírito que não bastava proibir livros e fechar revistas. Era preciso matar os opositores, e mais: eliminar o ambiente que os havia gerado, incluindo aí parentes, amigos, professores e alunos. “Da mesma forma que destruímos com o fogo a documentação perniciosa que afeta o intelecto e nosso modo de vida cristão”, disse o general Luciano Menéndez, “serão destruídos os inimigos da alma argentina.”

E o general Menéndez fez sua parte: matou à vontade, além de organizar, em 26 de abril de 1976, a maior fogueira de livros já vista no país. No entanto, não foi o bastante. Ele acabou derrotado. A Argentina de Oesterheld sobreviveu.

Alberto Breccia sobreviveu para se vingar como só os grandes artistas sabem: com uma maravilhosa HQ, Perramus, na qual ele e o escritor Juan Sasturain fazem seu balanço da ditadura militar. Além de Enrique, suas outras filhas, Patricia e Cristina, também se tornaram quadrinistas. Alberto Breccia morreu em 10 de novembro de 1993, já reconhecido como um herói da cultura argentina. Ainda que reclamasse que os “bons tempos” da HQ de seu país já haviam terminado, pôde ver o surgimento de revistas como a Fierro (considerada freqüentemente a melhor revista de quadrinhos do Ocidente) e de novos quadrinistas como Muñoz, Sampayo, Fontanarrosa, Carlos Nine, Carlos Trillo, Ricardo Barreiro, Eduardo Risso e tantos outros que continuam a fazer da HQ argentina uma das mais fascinantes do mundo.

Até onde sabemos, esta é a primeira vez que uma HQ escrita por Oesterheld é publicada no Brasil. Por isso, esperamos que esta edição de Che sirva para ajudar a reparar a injustiça que tem sido cometida não contra Oesterheld e os Breccia, mas contra os leitores brasileiros, mantidos no desconhecimento deste tesouro que são os quadrinhos argentinos.

segunda-feira, agosto 24, 2009

"Com que roupa eu vou...

... combater/cometer crimes?"

Por meio de um grupo de discussões, fiquei sabendo de uma série de postagens do site Fanboy sobre as roupas de heroínas e vilãs de quadrinhos. Para ler, cutuque nos links abaixo.

Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4

segunda-feira, agosto 17, 2009

Quadrinhos-verdade brasileiros

Dois links para notícias alheias:

1) o Digestivo Cultural publicou uma entrevista com o Spacca. Cutuque aqui para ler! Spacca trabalha com quadrinhos históricos e adaptações literárias.

2) o Blog dos Quadrinhos noticiou a publicação, na Bahia, da reportagem em quadrinhos "O Corneteiro Lopes". Para ler a notícia, cutuque no link que recém pus. Para ler a reportagem em quadrinhos, cutuque aqui!

segunda-feira, agosto 10, 2009

Pirata McCloud

Meu amigo Leonardo Foletto fez uma postagem sobre o Scott McCloud no Baixa Cultura, um blog sobre cultura livre. Foletto fala por lá de uma HQ do Scott McCloud com o tema "pirataria musical". Cutuque aqui.

terça-feira, agosto 04, 2009

O vampiro que ri


As páginas escaneadas acima são da Revista de Especialização em Imagem Publicitária, edição nº 3, 2008, Famecos, PUC-RS. A excelente arte e diagramação são de Sérgio Alberto Righi Filho, baseadas em fotografia de Gustavo Pozza com a modelo Carolina Kazue Morita. Ah, sim, o texto é de Gabriel Horn e intitula-se "Sangue, entranhas e sentido". É sobre a estética do cineasta japonês Takashi Miike, bastante ligada a um tipo especial de mangá. Bem, não digo mais, porque está tudo no texto aí embaixo, que o Gabriel gentilmente mandou. Trata-se da versão integral do artigo (na revista, saiu uma versão reduzida).


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SANGUE, ENTRANHAS E SENTIDO – IMAGENS DA VIOLÊNCIA NO CINEMA DE TAKASHI MIIKE

Gabriel Amabile Horn
   
Violento. Extremo. Cruel. Misógino. Pervertido. Esses são alguns dos adjetivos utilizados para descrever o trabalho de Takashi Miike, cineasta altamente produtivo na cinematografia nipônica contemporânea. Nos últimos anos alguns (poucos) de seus filmes têm tido mais fluxo para o ocidente, fora do circuito de festivais, juntamente com a crescente afluência de produções orientais que chegam a nossas telas e às video locadoras.

O cinema de Takashi Miike traz marcas temáticas e estilisticas que atribuem grande unidade à sua filmografia. A violência, tanto visual e gráfica quanto temática, de seus filmes talvez seja sua maior marca. Banhos de sangue, tortura, espancamentos, perversões sexuais são recorrentes ao longo de suas obras. A maneira explícita de retratar a violência demonstra certa influência dos mangás japoneses, especialmente os da tradição ero-guro. Isso fica evidente na maneira “cartunesca” de apresentação de algumas cenas de violência (em Ichi the Killer isso fica ainda mais evidente, pelo fato do filme ser baseado em um mangá). O humor negro também é bastante presente em suas narrativas e no comportamento de alguns de seus personagens, algumas vezes até provocando risadas em cenas de violência exacerbada. O uso de recursos estílisticos de linguagem também tem lugar de destaque em sua obra, tornando seu trabalho altamente reconhecivel. A utilização de variação de tons de fotografia como recurso narrativo, variação de velocidade de câmera, enquadramentos bem compostos e elaborados, montagem com alternância marcada de ritmo e construções que eventualmente causam um choque visual no espectador pelo seu caráter não convencional são motivos que destacam Miike como um autor representativo do cinema contemporâneo. Ë marcante também a utilização de efeitos especiais para realçar a violência nas películas. Estes efeitos, contudo são utilizados de maneira inusitada no momento em que Miike deixa evidente para o público que se trata de um efeito; o caráter de realismo exacerbado dos efeitos não é buscado, mas sim sua natureza de falsidade.

No âmbito temático, o cinema de Miike tem temas constantes e reincidentes. A abordagem do universo dos gângsters e criminosos, especialmente da Yakuza, está quase sempre presente. O gângster é abordado como o pária, aquele que não tem lugar definido na sociedade. A ausência do lugar, o estado deslocado dos personagens em relação ao mundo também é tema querido por Miike, aparente em seus personagens estrangeiros habitando o Japão. A nostalgia e as relações familiares estão também presentes em suas obras. Seja a nostalgia positiva, abordada como boas memórias, ou seja tratada na foram de lembranças ruins e traumas, na maioria das vezes relacionados com a família ou a ausência de estrutura familiar, a qual acaba por ser substituida e representada pelas relações entre as “famílias” criminosas. Mas o que marca notavelmente o trabalho de Takashi Miike é a busca de seus personagens pela felicidade, pela renovação, pela libertação daquilo que os restringe. Seja essa felicidade um casamento, seja ela o enriquecimento, seja ela a conclusão da vingança, ou a obtenção da dor perfeita para um masoquista.

A violência no cinema pode ser encarada de diversas formas. Uma delas, e bastante representativa no cinema de Takashi Miike, é aquela em que a representação da agressão e da violência na tela “torna mais difícil para o público ignorar as motivações e crenças dos personagens”. O uso das estruturas de agressão, como a surpresa, o mal-estar, os movimentos de câmera não são lances gratuitos para chocar o espectador, mas sim elementos de linguagem com propósito narrativo.

O uso de imagens violentas e de estruturas narrativas agressivas nos leva a compreender melhor o potencial humano dos personagens inseridos naquele contexto. É mais dificil do espectador ficar indiferente. Porém seu uso não deve ser gratuito, lançando mão de imagens chocantes simplesmente para abalar o estômago de quem assiste o filme. O cinema asiático, em especial o japonês, pode ser referenciado por utilizar a violência e a agressão de maneira consciente e com propósito. É possível chegarmos a essa conclusão se olharmos a história recente do cinema japonês, destacando as obras de cineastas como Takeshi Kitano, Nagisa Oshima, Shynia Tsukamoto, Akira Kurosawa e o próprio Takashi Miike. Noel BURCH justifica esse uso consciente da violência cinematográfica por parte dos japoses dizendo que estes “lograram conviver melhor com seus tabus”.

Justamente por ser uma maneira efetiva de o cineasta mexer com os brios de seu público é que a agressão e violência no cinema pode ter efeito de libertação, calmante sobre as psicoses coletivas de uma sociedade. Estas imagens e estruturas narrativas nos confrontam com aspectos da sociedade e do ser humano, violentam nossa percepção e nos fazem pensar, como espectadores, no que “dá dignidade à vida, no que é nobre e ignorante na condição humana”.

O uso da violência em uma obra quer dizer alguma coisa. É necessário para que aquela história seja contada da melhor maneira possivel, para que seus personagens e suas motivações sejam bem construídos. Em última instância, pensamos que, como diz John FRASER “longe de ser irracional, a violência é geralmente o ápice das idéias e ideologias”.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURCH, Noel. Práxis do cinema. São Paulo: Perspectiva, 1992.
BENTON, Michael. Violence and Film; Audience-Experience as a Factor in Our Reception of a Film (Revised). Disponível em http://dialogic.blogspot.com/2006/11/michael-benton-violence-and-film.html
EPSTEIN, Jean. Poesia e Moral dos Gangsters. In XAVIER, Ismail. A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
GARDNER, Geoff. Ceaselessly working the extreme: Miike Takashi. Disponível em http://www.sensesofcinema.com/contents/festivals/01/17/miike.html
JORDAN, Randolph. Suicide is for the birds: Takashi Miike’s tales of de-territorializing flight at Fantasia 2003 and beyond. Disponível em http://www.horschamp.qc.ca/new_offscreen/fantasia2003_pt2.html
MENDIK, Xavier. Takashi The Killer: an interview with japan’s leading cult director Takashi Miike. Disponível em http://www.kamera.co.uk/columns/scream_theory_27_08_2002.html
WIKIPEDIA. Ichi the Killer. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Ichi_the_Killer
WIKIPEDIA. Takashi Miike. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Takashi_Miike

Notícias não noticiadas

Tenho estado ausente do blog e, ironicamente, isso acontece porque venho me envolvendo cada vez mais com quadrinhos. Alguns compromissos profissionais vão me tirando um pouco do tempo que eu dedicava ao cabruuum. Mas está longe o dia em que encerrarei as atividades do blog. Apenas peço a compreensão do leitor para a ausência de postagens.

Bem, nesse tempo fora, dei entrevista ao jornalista Leonardo Meira. Ele organizou uma série sobre quadrinhos para o Jornal Ibiá. Esta aqui:

(Tem que clicar no link acima de cada página para abrir.)


MATÉRIA 1


MATÉRIA 2



MATÉRIA 3


Com direito até a entrevista com o Maurício de Souza!

Bem, creio então que essa ausência momentânea do blog pode até ser muito frutífera. Espero em breve trazer mais notícias não noticiadas aqui, contando e divulgando ações que venho fazendo na área dos quadrinhos. Acredito que a espera será recompensada! Você vai saber na hora certa por quê.